Porquê? Why?

Há histórias que têm que ser contadas.
Há exemplos que têm que ser seguidos.
Há personagens que têm que ser desvendadas.
E nós merecemos um jornalismo diferente que nos mostre que ainda vale a pena.



27/01/11

Onde é que acaba o jornalista e começo eu?

Há pouco mais de 10 anos, vivi uma das experiências mais marcantes da minha curta carreira de jornalista.
Ao serviço do jornal O Independente fui destacado - com muita vontade minha - para cobrir as operações de busca e salvamento de Maria João Pinto, professora de Braga desaparecida nos Picos da Europa, Espanha. Era o final de Agosto de 2001.

Nada. Não havia sinal da senhora. Adepta do montanhismo, tinha ido com o marido e um grupo de outras pessoas para os Picos da Europa. O trekking dava os primeiros passos mediáticos em Portugal. Maria João e o marido estavam num refúgio de montanha a mais de dois mil metros de altitude. A dado momento ela saiu para dar um passeio à volta do refúgio, caiu um denso nevoeiro e terá perdido a noção do espaço e das distância. Já tinham passado quatro dias e não havia meio de a encontrar.

Saímos de Lisboa, o fotógrafo João Pedro Branco e eu, na companhia de um amigo do casal que nos tinha chamado à atenção para esta história. Voámos para Oviedo e dai seguimos de automóvel até ao parque de campismo de Cangas de Onis, a base do acampamento do grupo da montanhista. Montámos a tenda, metemos a mochila às costas - o João com o peso suplementar do material fotográfico - e atacámos a montanha para nos juntarmos ao grupo de buscas. Era essa a história, mas não o fizemos apenas pelo jornalismo.

Seriam quatro horas a andar, sempre a subir, até ao abrigo de montanha de onde Maria João tinha desaparecido. "Vocês não vêm?", perguntei a um dos elementos de uma equipa de reportagem de uma televisão portuguesa. "Eh pá, não dá...!, respondeu-me, referindo que o peso do equipamento, câmara e tripé, era demasiado. As equipas de reportagem dos três canais lutavam pela melhor história. Nenhuma delas quis subir até ao abrigo. Iriam ficar à espera que o tempo ficasse melhor para subirem no helicóptero da Guardia Civil.

Subimos, o João e eu. E custou. Dois guias de montanha e meia dúzia de montanhistas experimentados. E nós. De botas, calças de ganga, impermeáveis, gorro, luvas, o que tivesse sido sacado à pressa do roupeiro lá de casa. No abrigo já se encontravam mais de 20 pessoas, a lotação estava esgotada e começava a escassear a comida. Não se ouvia um queixume. Estavam todos ali para ajudar.

Ao sexto dia, nada. Aproximava-se o fim-de-semana, a melhoria do tempo e estava quase a ser anunciado o fim das buscas. Voltámos para baixo. Duas horas de caminho. Exaustos, chegámos ao parque de campismo, tomámos um banho, jantámos, bebemos um copo e deixámo-nos ir. Tínhamos que subir na manhã seguinte, de volta ao abrigo, mas não acordámos a tempo. O helicóptero com as televisões já tinha partido.

"Vamos lá outra vez?", perguntou-me o João. Vamos.
Começámos a caminhada quando vimos um grupo a pé, a descer.
Maria João Pinto tinha sido encontrada. Estava no fundo de uma ravina com quase 100 metros.
Não havia mais nada a fazer.
O marido voltara com a Guardia Civil, junto do corpo.

Da comunicação social, só lá estávamos nós.
Não me lembro de ter tirado uma nota sequer da conversa que mantive com o viúvo.
Meia hora depois, chegaram os holofotes dos directos.
"O que é que sente?", perguntaram-lhe.