Porquê? Why?

Há histórias que têm que ser contadas.
Há exemplos que têm que ser seguidos.
Há personagens que têm que ser desvendadas.
E nós merecemos um jornalismo diferente que nos mostre que ainda vale a pena.



13/08/09

É já a seguir

Cá fica o agradecimento aos indefectíveis seguidores do blog, aqueles que ousaram clicar na aplicação disponível mesmo aqui ao lado. Malta de coragem!

12/08/09

Eu sou do tempo

Pokhara, Nepal


A Tia Carminha e o Tio João tinham uma casa na Arrábida, mesmo na praia. Era junto à entrada do Creiro. Em 1984 isso era possível. O areal estava cheio de casas clandestinas. Só mais tarde, com a intervenção do ministro Carlos Pimenta, as construções foram demolidas. E ainda bem, a praia hoje está muito mais bonita.

Mas não era assim que eu pensava aos nove anos. Aquela era a casa de praia onde nos reuníamos de vez em quando e passávamos alguns dias de férias. Tinha sido construída pelos mais velhos da família e os mais novos aproveitavam bem essa decisão. O mar frio da Arrábida ficava a 200 metros, era o paraíso para qualquer miúdo. À noite jogava-se às escondidas ou às cartas, conversava-se, era campismo mas numa casa de madeira. Verde, como o Vitória.

Naquele Agosto de 1984 também foi assim. Só a madrugada de dia 11 foi diferente. Na televisão com antena interior, no tempo em que apenas existiam dois canais e um deles só começava à tarde, o canal um da RTP fez-nos companhia toda a noite. Não havia sono que pudesse vencer os 42 quilómetros de Carlos Lopes em Los Angeles. Sentado no chão, lembro-me da alegria dos meus tios e dos meus avós ao vê-lo fugir à concorrência e passar para a frente da corrida. Força, vamos lá!

Os gritos de incentivo vinham da nossa casa verde, mas também das outras que tinham televisão. Aquela madrugada não foi uma coisa normal. Carlos Lopes ganhou a medalha de ouro na maratona dos Jogos Olímpicos de Los Angeles e todos festejámos como se ele estivesse ali na Arrábida, como se fosse um de nós, como se tivesse estado a comer carapaus assados nessa tarde sentado à sombra das árvores.

Há 25 anos, senti a primeira manifestação colectiva de alegria em Portugal. Não foi como quando a selecção chega à final de um campeonato de futebol, não foi fabricada pela comunicação social ou pelos patrocinadores oficiais, não foram necessárias bandeiras na janela. Foi apenas necessário que um só homem ultrapassasse os seus limites.

Obrigado, Carlos Lopes.

11/08/09

Crónicas do comboio

Ilhas Virgens Americanas (Manuel Gomes da Costa)

São só três horas de viagem. O que é isso para quem já teve o prazer de andar um mês a correr a Europa - de Lisboa a Istambul e voltar - de mochila às costas, a dormir no chão das carruagens, nos bancos sebosos dos comboios romenos? Não parecia nada de especial. Mas foi.

Acabou o festival de Verão no Alentejo, voltam para casa os grupos de amigos e amigas cobertos de poeira. Óculos escuros, cabelo sujo, mochilas atafulhadas de roupa imunda e recordações frescas. Tudo bem, não incomodam. O Intercidades vai cheio em direcção ao Norte. Na estação do Oriente, o sol bate bem, com toda a força que a ilusão da arquitectura não sabe proteger. Onde é que já se viu uma estação destas, bonita como o raio, que não protege os seus passageiros da chuva e do sol? Isto era o que me dizia o Torcato de cada vez que ia a Braga de comboio. Tinha e continua a ter toda a razão.

Quinze minutos de atraso, carruagens lotadas, saco o livro da mochila e preparo-me para três horas de caminho. Os festivaleiros já procuram a melhor posição para recuperar o sono perdido dos últimos dias. Óptimo, isto vai correr bem. Não!

Estou sentado naquele sector de quatro cadeiras, carruagem 25, lugar 41. À minha frente, tenho uma senhora brasileira. Ao lado dela, uma mãe portuguesa que trabalha em França com a filha ao colo, a Magui, dois anos e qualquer coisa. Ao meu lado, o pai da menina. O casal deve rondar os 30 anos. No outro lado do corredor, em quatro lugares, uma família de cinco. Pai, mãe, sogra e duas crianças, uma de nove, outra de três.

Antes de Sacavém, o primeiro guincho estridente da jovem Magui. 'Tiens', diz-lhe a mãe, estendo-lhe um boneco de plástico que faz barulho quando se aperta. Mal tiro os olhos do livro. A gritaria continua. A senhora brasileira atende chamadas telefónicas umas atrás das outras, repete tudo duas vezes porque do outro lado devem pensar que ela está na matança de um porco tal é a chinfrineira. As meninas da outra família decidem começar a participar na sinfonia do horror. Ao meu lado, os pais portugueses que moram em França iniciam um diálogo único:

- Ainda bem que aqui não existe nenhum sinal a pedir silêncio no comboio, como em França.
- Pois é, é que a Magui está mesmo irrequieta.
- Olha, é o que vale estar em Portugal...

Continuo sem tirar os olhos do livro. Sinto que a qualquer momento - e ainda não chegámos a Santarém - poderei perder as estribeiras e - sei lá - atirar um olhar reprovador ou qualquer coisa mais grave como dar um pontapé sem querer na criancinha. A Magui tá com fome, tá? Tu tu tu tu ta ta ta ta... Já não bastava a Magui guinchar, agora o pai e a mãe acompanham-na nas figuras tristes dos adultos quando falam com crianças.

Vou na página 176, por aí, de um livro intitulado 'Marijuana - A Medicina Proibida', um levantamento científico de casos em que a canabis serviu de alívio de determinados sintomas de doenças graves e terminais. O pai da Magui olha de soslaio para a contracapa e faz sinal para a mulher. Ela está demasiado ocupada a tirar a mama para fora e a dar de mamar à Magui. Nada contra, pelo menos enquanto tem a boca cheia a miúda não grita.

Ao telefone, a brasileira vai dizendo a quem lhe liga que só volta a Lisboa na quinta, que vai ao Porto ao dentista e ao oftamologista. Diz para depois de quinta os seus interlocutores passarem por 'lá'. Vou ao Porto, vou ao Porto, repete ela. Saíu na estação de Pombal...

Por esta altura já eu me tinha mudado de armas e bagagens para o bar do Intercidades, apinhado de sequiosos festivaleiros, malta calma, tranquila, boa onda quando comparados com o casalinho com brinde que tive o azar de apanhar ao meu lado. A Magui continuava a guinchar e os pais nada faziam, não chamavam a atenção, não lhe pediam silêncio, não se levantavam para acalmá-la, nada. Riam do momento. E no outro lado do corredor a avózinha e as meninas ajudavam à festa, oferecendo bolachas integrais à Magui para que ela estivesse satisfeita. A Magui lambia-as e atirava-as para o chão, como tudo o resto que lhe chegava às mãos.

Levantei os olhos do livro quando um tupperware com restos de frango - da Magui, claro - me chegou às havaianas. Levantei-me antes que me passasse de vez. "Olha Magui, já estás a expulsar pessoas da carruagem". Será que eu ouvi bem isto? "Pois é, tem muita piada não tem? Que falta de civismo!"

Passei 30 minutos no bar, bebi um Ice Tea de manga - já não havia de limão - e comi um pacote de Mini-Croissants de chocolate. Era o que havia. Deu para acalmar os ânimos. E a fome. Andei por cinco carrguagens até chegar à minha. Agora o casalinho estava a partilhar uma sandes feita em casa, a falar de dinheiro - coisa sempre presente ao longo das três horas - e a passar a Magui de um colo para o outro. Mas sempre a guinchar. Antes de Estarreja, o cheiro a merda fez-se sentir. E não teve nada que ver com o tradicional odor da localidade perto de Aveiro, era a Magui que tinha a fralda cheia. Tudo se resolve, estica-se a miúda no banco de dois lugares e já está. Quanto à fralda suja? Mete-se no saco das sandes...


10/08/09

Cíli Císon

Todos os anos, a mesma coisa.

Já não me queixo, faz parte. Da mesma forma que, a partir de Outubro, começamos a ser invadidos por publicidade a brinquedos de olhos postos no Natal, da mesma forma que no final deste mês vão surgir as grandes campanhas dos hipermercados para produtos escolares, também no Verão somos invadidos por notícias sem ponta de interesse.

Encher chouriços, dar trabalho aos estagiários, rechear páginas de jornais e revistas, preencher horas de emissão, tudo vale. Ontem, mais um momento fantástico na televisão portuguesa: um grupo de 17 amigos juntou-se para jogar no Euromilhões. No sorteio de 17 de Julho, acertaram em todos os números menos no 17. Poderiam ter ganho mais de 50 milhões de euros, ficaram com com 200 e pouco para cada um. Está decidido: é a Maldição do 17 - como passou em rodapé.